terça-feira, 14 de agosto de 2012

SOMBRA

VÓS QUE ME LEDES por certo estais ainda entre os vivos; mas eu que escrevo terei partido há muito para a região das sombras. Por que de fato estranhas coisas acontecerão, e coisas secretas serão conhecidas, e muitos séculos passarão antes que estas memórias caiam sob vistas humanas. E, ao serem lidas, alguém haverá que nelas não acredite, alguém que delas duvide e, contudo, uns poucos encontrarão muito motivo de reflexão nos caracteres aqui gravados com estiletes de ferro. O ano tinha sido um ano de terror e de sentimentos mais intensos que o terror, para os quais não existe nome na Terra. Pois muitos prodígios e sinais haviam se produzido, e por toda a parte, sobre a terra e sobre o mar, as negras asas da Peste se estendiam. Para aqueles, todavia, conhecedores dos astros, não era desconhecido que os céus apresentavam um aspecto de desgraça, e para mim, o grego Oinos, entre outros, era evidente que então sobreviera a alteração daquele ano 794, em que, à entrada do Carneiro, o planeta Júpiter entra em conjunção com o anel vermelho do terrível Saturno. O espírito característico do firmamento, se muito não me engano, manifestava-se não somente no orbe físico da Terra, mas nas almas, imaginações e meditações da Humanidade. Éramos sete, certa noite, em torno de algumas garrafas de rubro vinho de Quios, entre as paredes do nobre salão, na sombria cidade de Ptolemais. Para a sala em que nos achávamos a única entrada que havia era uma alta porta de feitio raro e trabalhada pelo artista Corinos, aferrolhada por dentro. Negras cortinas, adequadas ao sombrio aposento, privavam-nos da visão da lua, das lúgubres estrelas e das ruas despovoadas; mas o pressentimento e a lembrança do flagelo não podiam ser assim excluídos. Havia em torno de nós e dentro de nós coisas das quais não me é possível dar conta, coisas materiais e espirituais: atmosfera pesada, sensação de sufocamento, ansiedade; e, sobretudo, aquele terrível estado de existência que as pessoas nervosas experimentam quando os sentidos estão vivos e despertos, e as faculdades do pensamento jazem adormecidas. Um peso mortal nos acabrunhava. Oprimia nossos ombros, os móveis da sala, os copos em que bebíamos. E todas se sentiam opressas e prostradas, todas as coisas exceto as chamas das sete lâmpadas de ferro que iluminavam nossa orgia. Elevando-se em filetes finos de luz, assim que permaneciam, ardendo, pálidas e imotas. E no espelho que seu fulgor formava sobre a redonda mesa de ébano a que estávamos sentados, cada um de nós, ali reunidos, contemplava o palor de seu próprio rosto e o brilho inquieto nos olhos abatidos de seus companheiros. Não obstante, ríamos e estávamos alegres, a nosso modo - que era histérico - , e cantávamos as canções de Anacreonte - que são doidas -, e bebíamos intensamente, embora o vinho purpurino nos lembrasse a cor do sangue. Pois ali havia ainda outra pessoa em nossa sala, o jovem Zoilo. Morto, estendido a fio comprido, amortalhado, era como o gênio e o demônio da cena. Mas ah! Não tomava ele parte em nossa alegria! Seu rosto, convulsionado pela doença, e seus olhos, em que a Morte havia apenas extinguido metade do fogo da peste, pareciam interessar-se pela nossa alegria,, na medida em que, talvez, possam os mortos interessar-se pela alegria dos que têm de morrer. Mas embora eu, Oinos, sentisse os olhos do morto cravados sobre mim, ainda assim obrigava-me a não perceber a amargura de sua expressão. E mergulhando fundamente a vista nas profundezas do espelho de ébano, cantava em voz alta e sonorosa as canções do filho de Teios. Mas, Pouco a pouco, minhas canções cessaram e seus ecos, ressoando ao longe, entre os reposteiros negros do aposento, tornavam-se fracos e indistintos, esvanecendo-se. E eis que dentre aqueles negros reposteiros, onde ia morrer o rumor das canções, se destacou uma sombra negra e imprecisa, uma sombra tal como a da lua quando baixa no céu, e se assemelha ao vulto dum homem: mas não era a sombra de um homem, nem a de um deus, nem a de qualquer outro ente conhecido. E, tremendo um instante entre os reposteiros do aposento, mostrou-se afinal plenamente sobre a superfície da porta de ébano. Mas a sombra era vaga, informe, imprecisa, e não era sombra nem de homem, nem de deus, de deus da Grécia, de deus da Caldéia, de deus egípcio. E a sombra permanecia sobre a porta de bronze, por baixo da cornija arqueada, e não se movia, nem dizia palavra alguma, mas ali ficava parada e imutável. Os pés do jovem Zoilo, amortalhado, encontravam-se, se bem me lembro, na porta sobre a qual a sombra repousava. Nós, porém, os sete ali reunidos, tendo avistado a sombra no momento em que se destacava dentre os reposteiros, não ousávamos olhá-la fixamente, mas baixávamos os olhos e fixávamos sem desvio as profundezas do espelho de ébano. E afinal, eu, Oinos, pronunciando algumas palavras em voz baixa, indaguei da sombra seu nome e lugar de nascimento. E a sombra respondeu: "Eu sou a SOMBRA e minha morada está perto das catacumbas de Ptolemais, junto daquelas sombrias planícies infernais que orlam o sujo canal de Caronte". E então, todos sete, erguemo-nos, cheios de horror, de nossos assentos, trêmulos, enregelados, espavoridos, porque o tom da voz da sombra não era de um só ser, mas de uma multidão de seres e, variando suas inflexões, de sílaba para sílaba, vibrava aos nossos ouvidos confusamente, como se fossem as entonações familiares e bem relembradas dos muitos milhares de amigos que a morte ceifara.

(Edgar Allan Poe)

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Deep Web – The dark side of web (O lado obscuro da web)


Sejam bem vindos ao blog filosofo do sertão já estava na hora de voltarmos, depois de tanto tempo parado estamos de volta.

Há na Internet um mundo paralelo, um lado obscuro, onde contem toda a informação inacessível aos buscadores de pesquisa comuns. Aquilo que existe à superfície da Web equivale, segundo especialistas, a cerca de 4% do todo que a "Web" tem para oferecer.

           Deep Web ou Dark Web, alguns sabem que existe e outros nunca ouviram falar, mas antes de começar a falar sobre a Deep Web deixo um aviso para aqueles curiosos e os não curiosos também: não entre na Deep Web, pois lá vocês encontrarão coisas boas, por outro lado vocês entrarão no submundo da internet, onde pode chegar a perversidade da mente humana. Se vocês pensam que já viram de tudo na Web estão enganados, pois só temos acesso a apenas 4% da internet. Os outros 96% estão na Deep Web, porém não adianta entrar no Google, Cadê –Yahoo ou qualquer outro site de busca para acessar a Deep Web. A Deep Web não aparece na internet convencional, internet esta que vamos chamar de “superfície da Web” onde encontramos sites como: Facebook, Orkut, Twitter, You Tube, G1, etc. e todos outros tipos de sites que conhecemos, resumindo são sites que são vistos em buscadores, como o Google.

Como exemplo observe o Ice Berg da Web:
            É estimado que na Deep Web pode-se conter 500 vezes mais recursos do que na superfície da Web pode nos proporcionar. De acordo com pesquisadores a superfície da Web tem um tamanho de 167 terabytes, já a Deep Web tem cerca de 91 mil Terabytes.
Porém a grande pergunta é: o que se esconde na Deep web? Por que tanta informação é escondida e não pode vir a domínio público?

Questão é obvia, na Deep Web, há muitas coisas ilegais, chegando até a ser conspiratórias; pornografia infantil por exemplo, deve haver aos montes, mas quando refiro pornografia infantil, me refiro a coisas que nem sua pior imaginação acerca deste assunto pode imaginar.

A porta de entrada da Deep Web e um site chamado de Hiddenwiki que é igual o site que conhecemos como Wikipédia, lá encontramos todos os tipo de links para se navegar na Deep Web, por exemplo, o Hiddenwiki contem links para contratação de assassinos de aluguel que chegam a cobrar 50 mil dólares por cabeça.

                   Algumas screenshots da Hiddenwiki – tirado do 4chan

Mas também encontramos sites de religiões satânistas que praticam o canibalismo, sacrifício de seres humanos, etc. contendo vídeos e fotos de seus rituais e sites de venda de drogas, mercado negro de venda de órgãos, tráfico de seres humanos e muitos mais. Encontra-se também muita coisa sobre terrorismo, manuais de guerra, sobrevivência, armas, fabricação de explosivos.

Mas por incrível que pareça, parece haver conteúdo mais bizarros e chocantes, encontramos muitos fóruns de psicopatas, porém, para ter acesso a estes fóruns, a pessoa deve enviar um vídeo de um crime hediondo cometido por ela, pelos comentários encontrados sobre estes fóruns encontramos assassinos de todos os tipos, estupradores, etc. eles postam vídeos de seus crimes que são filmados em primeira ou terceira pessoa. Mas você pode pensar que isso pode ser fake , eu creio que não, porém é claro que você pode pensar em vídeo montagem ou que pode ser possível uma pessoa pegar um vídeo na internet e enviar ao fórum dizendo que é ela cometendo o crime, só pra se infiltrar, mas como os organizadores desses fóruns tem conhecimento de manipulação de vídeos, de informática e também um conhecimento dos vídeos de bizarrice que circula pela Web, é difícil enganá-los, então é bem provável que as pessoas que postam vídeos nestes fóruns sejam maníacos de verdade.

             Na Deep Web encontra-se também sites onde são transmitidas lutas ao vivo onde homens lutam até a morte, ao estilo dos gladiadores romanos. Algumas lutas são homens x animais. O acesso a essas lutas são vendidos a milionários (por um bom dinheiro). Contaram-me que existe um site chamado HackerBB, um dos maiores fóruns hacker da Deep Web, onde um pessoal discutia como ter acesso a esse site das lutas, se ele realmente existia. A princípio esse tipo de história me parece fake, mas se os caras estavam discutindo como ter acesso ao site, talvez ele realmente ele exista.

            Contudo, vocês devem estar se perguntando se isso existe mesmo por que as autoridades não prendem estas pessoas?

             Na Deep Web, os sites não usam o formato HTML, como nos sites da superfície da Web, com isto é quase impossível de rastrear e encontrar estas pessoas, também os sites da Deep Web não são configurados com o final (.com, .com.br, .org, etc), só para vocês terem ideia com é impossível rastrear o um dos sites da Deep Web este é o site da porta de entrada para a Deep Web: (kpwz7ki2w5agwt53.onion), caso você pense em entrar na Deep Web copiando e colando este site no teu navegador, sinto muito mas você não vai conseguir, pois o (.onion) não é acessado pelos navegadores que conhecemos.

            Para acessar a Deep Web você tem que baixar um programa chamado TOR, ele é o navegador que roda o (.onion) e o local monitor é um programa que muda seu IP constantemente e te avisa quando estão tentando te rastrear. Caso queira baixar para entrar na Deep Web não se esqueça de ter um bom antivírus e outros tipos de proteção, pois só para constar é na Deep Web que surgiram os grandes grupos de hackers (Anonymous; Lulzsec; Wikileaks) e caso você não tenha um conhecimento em informática e toda segurança possível no seu PC, é aconselhado você nem pensar em acessar a Deep Web. Se não seguir meu conselho você vai ferra teu PC e ficará ferrado, pois quando pegamos um vírus na superfície da Web já perdemos muita coisa, agora imagina se você pega um vírus na Deep Web, Façamos a seguinte analogia: caso um pessoa tiver uma relação sexual com uma pessoa que tenha HIV, ela tem que se proteger de todas as formas possíveis. É a mesma coisa para você acessar a Deep Web, se proteja e tenha muito cuidado.

Como o programa TOR não é rastreado, não se preocupe com as autoridades e o FBI, pois eles não vão na sua casa só porque você acessou a Deep web, eles estão atrás de quem pratica pedofilia, necrofilia, canibalismo, traficantes, terroristas,  hackers e assassinatos.

            Porém, o que eu comentei aqui sobre o lado obscuro da Web é só a borda da Deep Web; ela é apenas para disfarçar e blindar os piores assuntos que existem, a Deep Web tem 4 camadas, procurei saber o nome de todas as camadas, mas só encontrei o nome da primeira camada que é a que mais comentei: ela se denomina ONION, creio eu que quanto mais fundo você vai na Deep Web, mais você viaja no submundo da perversidade da mente humana. Se a primeira camada já é chocante e grotesca, imagina só o que podemos encontrar nas outras camadas, mais fundo nós formos na Deep Web, mais os assuntos tratados lá ficam mais pesados e chocantes. Fico pensando aqui como deve ser a última camada , deve ser o encontro com o próprio diabo...

            Portanto, como observamos, no lado obscuro da web encontramos de tudo, principalmente o lado mais escuro e perverso do ser humano, mas também não há só coisas ruins e perversas na Deep Web; como foi dito, a Deeo corresponde a 96% de toda informação que existe na internet, entretanto temos coisas boas lá também, tais como pesquisas cientificas e tecnológicas, livrarias digitais com exemplares de livros (que você não encontra para baixar na superfície da Web), bases de dados universitárias, etc…, porém se a Deep Web fosse um coisa boa ela seria liberada para todos acessarem.

            Fica um toque, não aconselhamos ninguém a visitar esse lado obscuro da web, pois sem o devido conhecimento informático as consequências podem ser nefastas. Caso você não segurou a curiosidade e vai entrar na Deep Web: Boa Sorte e Cuide-se! 
Algumas imagens bizarras encontradas na Deep Web:








quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Canto Para A Minha Morte

Raul Seixas
Composição: Raul Seixas / Paulo Coelho

Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas... Um acidente de carro.
O coração que se recusa abater no próximo minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...

Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Paradigmas políticos: uma leitura a partir de Hannah Arendt

Clayton Soares Fonseca - UNIMONTES


O pensamento grego nas suas mais diversas formas de entender o homem tanto nas suas angustias, suas paixões, seus anseios e na busca de atingir um grau elevado de perfeição, lançou sem sombra de dúvidas influências decisivas na modernidade e que soam sem cessar até os nossos dias atuais. No campo político não é diferente, a instauração da democracia iniciada na Grécia, embora como se sabe, apesar de divergir da atual, visto que somente dez por cento da população tinha direito de voto, alguns cidadãos não tinha tempo suficiente para tratar de assuntos públicos pois estavam muito ocupados e preocupados para sobreviver, outros eram escravos, mulheres e estrangeiros. Apesar disso ainda se matém “vivas” as influências gregas de uma maneira ou de outra, uma delas se faz no conceito de vida contemplativa.

No tocante a vida contemplativa, Hannah Arendt parte da era clássica grega e resgata o sentido original de contemplação, quando a atividade do pensamento tinha primazia sobre todas as outras atividades. A contemplação que está na origem da atividade do filosofar, é para os antigos filósofos a maneira mais confiável de compreender a verdade. Esta não pode ser encontrada no mundo sensível, pois tudo o que se apresenta no mundo das aparências é mutável, transitório, repetitivo e os sentidos ao perceberem estas aparências se enganam com freqüência. O melhor que se pode afirmar da percepção sensível é que ela põe o mundo, forma intuitiva, para a reflexão filosófica. Para alcançar a verdade por trás das aparências enganosas e não correr o risco de se dar por satisfeito apenas com opiniões (doxa) e ficar preso ao senso-comum, cabe ao filósofo empreender uma ruptura com o conhecimento convencional e procurar a verdade no âmbito que lhe é mais seguro, o pensamento e as idéias.

Com base neste ponto Arendt Afirma que: “a tradição de nosso pensamento político teve seu inicio definido nos ensinamentos de Platão e Aristóteles”. (ARENDT, p.13.2005). Começou realmente quando Platão formulou um dos traços que seriam a sua grande marca, cito nada menos do que a alegoria da caverna, em A república. Ali Platão descreve a esfera dos assuntos humanos, tudo aquilo que pertence ao convívio de homens em um mundo comum, em termos de trevas, confusão e ilusão, e como se sabe aqueles que aspirassem ao ser verdadeiro deveriam repudiar e abandonar, caso quisessem descobrir o céu límpido das idéias eternas.

A estória da caverna segundo a pensadora desdobra-se em três etapas: primeiro constitui a reviravolta que tem lugar na própria caverna, quando um dos habitantes subitamente consegue libertar dos grilhões que acorrentam suas “pernas e pescoços” para que eles apenas possa ver diante de si, colado seus olhos à tela sobre a qual as sombras e imagens das coisas aparecem; agora, ele se volta para o fundo da caverna, onde um fogo artificial ilumina as coisas na caverna, tais como realmente são.

A segunda é reviravolta da caverna para o céu límpido, onde as idéias aparecem como verdadeiras e eternas essências das coisas na caverna iluminadas pelo sol, a idéia das idéias que possibilita o homem ver as idéias brilhar.

Finalmente, a terceira reviravolta, há necessidade de volver à caverna, de deixar o reino das essências eternas e novamente se mover nos reinos das coisas perecíveis e homens mortais, cada uma dessas reviravoltas é realizada por uma perda de sentidos e orientação: os olhos acostumados às sombrias aparências do anteparo são ofuscados pelo fogo na caverna; os olhos já ajustados à luz que ilumina às idéias; finalmente, os olhos já ajustados à luz do sol devem reajustar-se a obscuridade da caverna.

Em A Vida do Espírito Arendt diz que: “A parábola da caverna, narrada na obra A república, constitui o próprio cerne da filosofia política de Platão, mas a doutrina das idéias, tal como é ali exposta, deve ser entendida como aplicada à política, e não como doutrina original e puramente filosófica.” (ARENDT, p.238.2002).

Para melhor compreensão da última citação e a questão que envolve a Alegoria da Caverna recorremos a Moraes (2002), o mesmo afirma que Platão ao descrever o percurso do prisioneiro que se liberta das cadeias que o prendem ao mundo das sombras, no interior da caverna, pretende delinear o caminho do pensamento em busca da verdade. Primeiramente há um movimento ascendente do pensamento que eleva gradativamente das sombras dos objetos, passando para o fogo que os ilumina e em seguida para a luz do dia. Superando o mundo sensível, o interior da caverna no qual só a opinião sobre coisas, resta ascender no mundo inteligível.

Primeiro acontece à apreensão das realidades matemáticas, que são como sombras das idéias, em seguida alcança-se a realidade da idéias, que constituem a verdadeira realidade essencial e substancial, para enfim contemplar o sol das idéias, seu princípio que é a idéia do bem. Feito todo o caminho ascendente e de posse da verdade, resta agora o filosófo fazer o caminho inverso, retornar para junto dos outros que deixou no interior da caverna, no mundo dos homens, ditar leis com base na conceituação do bem e governá-los.

Apesar dos filósofos clássicos priorizarem o modo de vida contemplativo, Arendt deixa claro que a contemplação é oposta à ação política. Não descarta inclusive a possibilidade de que Platão e Aristóteles quando se puseram a tratar deste tema estivessem fazendo um parêntesis na sua atividade principal, que era o pensar para responder a questões surgidas na época. Analisando historicamente a Grécia passava por um período de crise e Platão e Aristóteles aparecia nesse cenário como uma representação ressurgindo das ruínas da guerra do peloponeso[1]. Respondendo a um problema real, a reeducação de um povo que havia perdido seus valores morais e políticos em decorrência dos reveses da Guerra. Com isso Arendt citando Pascal menciona:

Só conseguimos imaginar Platão e Aristóteles vestindo as grandes túnicas de acadêmicos. Eles eram pessoas de bem, como as outras, riam com seus amigos; e quando quiseram se divertir escreveram as Leis e a Política. Se escreveram sobre a política foi como que para pôr ordem em um hospício; e se deram a impressão de estar falando uma grande coisa, é porque sabiam que os loucos a que falavam pensavam ser reis e imperadores. Adotaram seus princípios para tornar a loucura deles o mais inofensiva possível. (ARENDT, P.116.2002).

Entretanto, apesar da primazia da vida contemplativa sobre as atividades da vida ativa durar por um longo período de tempo. Sofreu um “grande golpe” que constitui uma completa inversão desde quadro o pensamento passou a ser exercido como instrumento de ação e fabricação.

O grande nome em destaque que completou essa total inversão compreendido por Arendt visto os fatores históricos, sociais e filosóficos foi Karl Marx. Com base a esta inversão de posições o estudioso de Arendt, Duarte (2000) diz:

Arendt reconhecia em Marx o maior teórico da modernidade, não apenas porque ele percebera o movimento de completa reversão do paradigma instaurado na Grécia antiga, segundo o qual a atividade de política e o exercício da liberdade ocupavam o ápice da hierarquia das atividades humanas, enquanto trabalho e a sujeição humana às necessidades da vida ocupavam o seu estágio mais baixo, mas, também, porque ele antecipara em sua reflexão muitos outros traços característicos do nosso presente. (DUARTE,p.81,2000.)

Marx em sua tese onze sobre Feubarch que constitui uma das reflexões importantes suas sobre o fim da Filosofia alemã clássica ele que diz: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”. Esse enunciando se torna o ápice da inversão do antigo modelo clássico de pensar.

Sendo assim se na Grécia e na Roma antigas o trabalho era uma atividade da qual era preciso estar liberto para se poder participar da liberdade política, quer dizer, da participação ativa na definição dos rumos da cidade. Atualmente podemos afirmar que o trabalho é a ocupação essencial dos homens, que dedicam o seu tempo livre ao desfrute da liberdade privada na apropriação e consumo dos bens produzidos.

Concluímos as reflexões sobre Hannah Arendt e sua releitura da política apartir da antiguidade e seu fim na modernidade; quando ela afirma que Marx a definir que com tempo a política e o estado desapareciam e os homens cuidariam apenas da administração privada. Ele voltou todos os assuntos humanos à mera necessidade de sobrevivência, infelizmente o seu pensamento que almejava instaurar o reino da liberdade acabou não se concluído, o que restou foi homens presos ao trabalho como única forma de sobreviver a uma era demarcada pela revolução industrial, a liberdade se reduziu a meros hobbies[2].


[1] Guerra entre Atenas e Esparta ocorrida em 431 a.C-404 a.C iniciada durante o governo de Péricles que veio a morrer durante o conflito. Atenas foi derrotada por Esparta perdendo assim o domínio sobre as outras cidades gregas encerrando o que teria sido um período de grande desenvolvimento cultural, político e econômico de Atenas governada por Péricles. A conseqüência imediata desta guerra que se arrastou por muito tempo foi a decomposição moral da sociedade e a transmutação de todos os valores. (JAEGER,p.458,2003.)

[2] Max predisse corretamente, embora com indevido júbilo, a ‘decadência’ da esfera pública nas condições de livre desenvolvimento das forças produtivas da sociedade; e estava igualmente certo, isto é, coerente com sua noção do homem como animal laborans, quando previu que, ‘socializados’ e libertos dos trabalho, os homens gozariam essa liberdade em atividades estritamente privadas e essencialmente desprovidas de mundo worldless que hoje chamamos de “hobbies”.(DUARTE, p.82,2000.)

Referências:

ARENDT, Hannah. A vida do espírito. O penar, o querer, o julgar. 4º ed. Rio de Janeiro: Editora Relume-Dumará, 2002.

_________________. Entre o Passado e o Futuro. 5º ed. São Paulo: Editora Perspectiva, trad: Mauro W. Barbosa, Coleção Debates 2005.

______________. A vida do espírito. O penar, o querer, o julgar. 4º ed. Rio de Janeiro: Editora Relume-Dumará, 2000.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Amy Winehouse

Não sabemos o que pode uma voz....

Com quais afetos ela se implica... com quais mundos ela se compõe...

Solta... Livre.... ela vai seguindo sua trilha...

Desconexa trilha...

Caminho sem acostamento e retorno... tênue linha entre o seguir ou o se jogar

Não há meio termo.... Não há paráfrase

Entre um gole e outro

Entre um sexo e outro.... criação

Entre Ela e si-mesmo.... abissal geometria da des-razão

O que pode uma voz contra a tirania da moral?

Contra a tolice.... Contra os maneirismos da convenção....

E deparamo-nos com um déjà-vu...

Uma repetição de morte sobre morte.... (Joplin, Morrisson, Cobain, Eller, Ella, Maysa, Elis, Hendrix, Amy... e outros... outros... outros...) Talvez nós, um dia?

De uma literatura escrita pela via trágica da insuficiência... da ausência

A voz foi insuficiente... o texto foi insuficiente... o som foi insuficiente...

Sensível diluição da vida... que escorria lentamente pelo tempo molecular dos segundos...

Não há mais possível...

Só esgotamento. Cansaço.

E assim... num gole e outro... num pico e outro...

Numa lágrima que escorre silenciosamente por uma face marcada pela impaciência...

Um último ar passa pelos pulmões... Um último líquido arrefece a dor...

Por um caminho que jamais retornará...

Amy, uma vida...